Recentemente estive preparando um trabalho para um grupo de professores, a respeito das dificuldades que se apresentam quando pessoas de gerações diferentes (e põe diferentes nisso) convivem no mesmo ambiente, diariamente.
Não sou adepta nem gosto de rótulos, já conversei com outras pessoas sobre isso. Mas, nessa busca por entender o que queriam dizer com o termo “gerações”, me deparei com os termos utilizados no ambiente de trabalho para definir as gerações que convivem desde o início do século XX: veteranos/tradicionais, boomers, X, Y, agora já chegamos à Z, e, para alguns, até mesmo à Alpha.
Independente de rótulos, uma coisa é certa: todas essas “gerações” são altamente influenciadas pelo contexto em que vivem. A geração dos veteranos ou tradicionais, que compreenderia aquelas pessoas nascidas entre as duas grandes guerras (1922-1945), seria marcada, por exemplo, por disciplina rígida, respeito à hierarquia, lealdade e comprometimento no trabalho, evitando assumir riscos e compromissos de longo prazo, devido à incerteza do momento.
Já os boomers seriam os nascidos entre 1945 e 1965, durante o Baby Boom, fenômeno social ocorrido nos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial, quando os soldados voltaram para casa e conceberam filhos em um mesmo período. Tratam-se de pessoas otimistas em relação à possibilidade de mudar o mundo político, também educadas com rigidez e regras padronizadas, porém que se dividiram entre os jovens disciplinados (seguiam as regras dos pais, ingressavam mais rapidamente na vida adulta, buscavam estabilidade no trabalho e constituir família) e os jovens rebeldes (filhos de pais ricos e militares, buscavam transgredir as regras da sociedade com suas atitudes, formas de vestir e de se comportar, lutaram ativamente contra a ditadura). Percebidos como workaholics, valorizavam o status e o crescimento profissional. De certa forma, tornaram-se responsáveis pelo estilo de vida que se conhece hoje, com os movimentos feministas (conquista de direitos trabalhistas para as mulheres, surgimento dos anticoncepcionais), aquisição de bens materiais (casa, carro) e entretenimento (valorização das artes, da música, da cultura em geral).
A geração X, por sua vez, envolveria os nascidos entre 1965 e 1977, que viveram um momento de revolução e luta político-social, testemunhando fatos sócio históricos marcantes (Guerra Fria, movimento Hippie, queda do muro de Berlim, o surgimento da AIDS, etc.) e um grande avanço tecnológico. Acabariam por refletir as frustrações da geração anterior, valorizando mais o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, assim como a meritocracia na ascensão profissional. Apesar de terem acompanhado o surgimento das novas tecnologias, ainda apresentariam alguma resistência ao seu uso.
A geração Y, nascida entre 1978 e 1994, seria representada por filhos de mães independentes emocional e financeiramente. Muitos seriam filhos de pais separados e conviveriam com modelos familiares mais flexíveis e diversificados. Seria conhecida como a geração dos resultados, já que nasceu na época das tecnologias, da Internet, com acesso fácil aos meios de comunicação, às informações e às facilidades do mundo moderno. Vivendo numa época de democracia, liberdade de expressão e maior estabilidade econômica, estariam mais acostumados a ter “tudo pronto”, o que dificulta o lidar com frustrações.
O relacionamento mais aberto e informal com os pais acabou por criar uma indiferença à autoridade. Há poucos anos, sinalizou-se a entrada desses jovens no mercado de trabalho como um alerta para as novas formas de relações e de trabalho que se estabeleceriam com o convívio simultâneo de pessoas com objetivos e motivações tão diversas. Os jovens da geração Y seriam movidos por desafios e novas perspectivas, muito mais voltados para a busca do prazer e satisfação pessoal através do trabalho. Imediatistas, desejariam o crescimento profissional rápido, valorizando as questões socioambientais, a inovação, a competência real, e não a hierarquia.
A suposta geração Z (diz-se que veio do termo “zapear” no controle remoto) compreenderia os nascidos entre 1994 e 2010, os “nativos digitais”, completamente familiarizados com todas as ferramentas e aparelhos tecnológicos. A verdade é que essa geração não conheceria o mundo sem computador e internet, já que tem vivenciado desde a infância a internacionalização e globalização mundial, estando imersos e sobrecarregados de informação, muito mais à vontade no mundo virtual do que no real, não diferenciando entre a vida online e a offline. Velocidade e inovação são partes naturais da vida deles. Justamente por isso, a dificuldade se volta para a interação social e a comunicação verbal, o que pode gerar atrito com gerações anteriores. A relação desses jovens com o trabalho é diversificada, uma vez que não acreditam em fazer uma única coisa ou passar décadas trabalhando numa mesma empresa. Embora a maioria ainda não demonstre preocupar-se com a questão financeira e de carreira futura, muitos utilizam os recursos da tecnologia para constituírem seu próprio negócio, e começam a empreender desde cedo. São mais desafiadores, questionadores, autodidatas, e sabem o que querem. Entretanto, por terem conquistado ainda mais igualdade, muitas vezes faltam limites definidos.
Poderiam ser incluídos na geração Z os nascidos até os dias de hoje. Entretanto, já se vê por aí mais uma denominação, a “geração Alpha”, para os nascidos depois de 2010, que interagem desde o nascimento com a tecnologia, os tablets, smartphones, notebooks, etc. Chega-se a dizer que essas crianças representam efetivamente a evolução da espécie, a constatação de que o cérebro humano está mudando e se tornando mais “inteligente”. Tratam-se de crianças que começam a estudar cada vez mais cedo e que terão o maior nível educacional de todas as gerações existentes até o momento. Ao mesmo tempo, precisarão presenciar uma mudança maior na sociedade e nas formas de aprendizagem para manterem a sua motivação. Estão vivendo em um mundo ainda mais conectado, e deverão construir relações mais horizontais e menos hierárquicas.
Como disse anteriormente, mesmo não sendo adepta a rótulos e descrições lineares, empiricamente não é difícil perceber o quanto os intervalos de uma geração para outra têm diminuído. Tempos atrás, tinha-se uma geração a cada 20 ou 25 anos. Hoje, esse intervalo já não é tão nítido, visto que as mudanças estão sendo tão rápidas e constantes, que já não esperam duas décadas para acontecer. E justamente por isso, diferentes gerações estão convivendo por mais tempo nos diversos contextos.
Ainda que essas descrições tenham surgido muito mais voltadas para as relações e o comportamento dessas diferentes “gerações” no ambiente de trabalho, voltemos ao grupo de professores, que mencionei logo no começo, e que levantou essa discussão. Não é nada difícil compreender a preocupação deles em como lidar com esses jovens e com as crianças que estão chegando à escola. Independente de características sociais ou econômicas, eles chegam com um perfil novo e desafiador. Mas, acredito que, de alguma forma, os jovens sempre tenham carregado em si essa característica. Afinal, a geração do momento é sempre a mais “assustadora”, por impor novas e, muitas vezes, radicais transformações à sociedade.
Importante ressaltar, porém, que essas transformações também não acontecem de forma homogênea e igualitária em toda a sociedade, especificamente no Brasil. Basta fazermos uma observação comparativa entre jovens de diferentes níveis socioeconômicos, estudantes de escolas públicas ou de escolas privadas, para percebermos que o acesso a toda essa mudança não ocorre da mesma maneira para todos.
Ainda assim, outro dia ouvi daquele mesmo grupo de professores (de uma escola pública estadual): “Temos alunos do século XXI, professores do século XX e uma escola do século XIX”. Essa afirmação reflete uma questão fundamental quando se trata de pensar a juventude: o mundo, a sociedade, as instituições (ensino, trabalho, etc.), as pessoas e profissionais como um todo estão preparadas para lidar com as novas gerações?
Um verdadeiro choque cultural acaba por acontecer pela falta de conhecimento e compreensão mútua, e a forma de agir e de pensar desses jovens passa a ser rotulada de “impaciente, antissocial, individualista, imediatista”. Se na escola, temos “professores baby boomers” ainda saindo do mercado de trabalho, “professores X” tentando se adaptar, e “professores Y” chegando com mais novidades, nas organizações de trabalho não é diferente. Temos estudantes e jovens entrando no mercado de trabalho com uma perspectiva completamente diferente, valorizando muito mais a qualidade de vida, a satisfação e a auto-realização. Enquanto se identifiquem com o projeto ou desafio em que participam, elaboram e conduzem, permanecem motivados e comprometidos. Caso contrário, partem para o próximo (são os já chamados profissionais proteanos, sobre os quais falaremos em outro artigo). Mas, em resumo, o seu objetivo é seguir em frente, viver plenamente, e ser feliz.
Se, por um lado, ainda temos escolas do “século XIX”, que precisam urgentemente se reformular para seguirem as novas tendências da educação, por outro, temos organizações que precisam conhecer cada um dos seus colaboradores para melhor gerir as relações que se estabelecem entre eles. Cabe às escolas transferirem o foco da transmissão vertical de conteúdos para um ensino mais customizado e centralizado no aluno, e às organizações buscarem novas formas mais flexíveis e desafiadoras de trabalho. Do mesmo modo, aos pais, professores e profissionais que convivem e lidam com esses jovens, cabe exercitarem a capacidade de adaptação, manterem-se atualizados e receptivos ao novo, diminuírem as próprias resistências e, acima de tudo, buscarem formas de orientá-los, apoiá-los, acompanhá-los e aprenderem juntos nesse caminho, ainda desconhecido para a maioria de nós, delineando os limites necessários e promovendo a sua educação e desenvolvimento.
Em todos os casos, o que se impõe é a necessidade de estarmos abertos e aprendermos a lidar com as mudanças, conhecermos suas principais implicações, e aproveitarmos ao máximo o potencial criativo e solucionador que as divergências e conflitos emergentes de toda essa diversidade possam trazer. Afinal, até essas crianças e jovens saírem das escolas, e chegarem ao mercado de trabalho, muitas mudanças ainda acontecerão. Só nos resta saber se estamos preparados para acompanhá-las.
Ao citar este artigo:
FRANÇA, C. B. Título do artigo. Salvador, Data de publicação do artigo. Disponível em: link do artigo. Acesso em: data de acesso.