Existem países no mundo em que o cuidado dos filhos não é só bem visto como também valorizado socialmente, sobretudo quando praticado por todas as partes envolvidas. Lugares em que pessoas com filhos são super compreendidas se saem mais cedo do trabalho, se comparecem às atividades escolares ou consultas médicas, se acompanham a evolução da criança desde os seus primeiros minutos de vida. São poucos, mas já existem.
Sabemos que na Suécia, por exemplo, a licença parental é de 480 dias (cerca de 16 meses), podendo ser partilhada entre os pais, sendo que 90 dias são exclusivos para cada um dos cuidadores. É verdade também que as mães ainda são as que passam maior tempo dedicadas ao cuidado com os filhos e ao trabalho doméstico, mas o direito todos têm garantido (com remuneração de até 80% do salário nos primeiros 390 dias) e usufruem, em sua maioria. Desde o dia 01 de julho deste ano, também os avós maternos e paternos podem ser incluídos nessa licença remunerada. Os pais da criança poderão transferir até 45 dias de suas licenças para os avós, a fim de facilitar os cuidados com o bebê (em famílias monoparentais, esse período aumenta para 90 dias).
Este é um exemplo dentre várias outras realidades, umas mais, outras menos distantes, mas todas com algo em comum: pessoas que trabalham e têm filhos. Enquanto por aqui lutamos por uma ampliação digna da licença paternidade, com um avanço importante em relação à proposta dos 30 dias, muitos pais que já demonstram esse desejo e procuram formas de colocá-lo em prática ainda sofrem preconceitos, retaliações e são alvos de piadas.
Na minha própria experiência, casada com um médico, que vive num meio que preconiza uma carga horária de trabalho muitas vezes insalubre, pude sentir na pele como é maravilhoso ter a presença integral do meu companheiro durante os primeiros 40 dias de vida do nosso primeiro filho. Por outro lado, pude sentir também o avesso, praticamente não podendo tê-lo sequer por uma semana completa após o nascimento do segundo.
Lembro de ter escutado, lá em 2020, de outro médico com mais idade, uma pergunta sarcástica do tipo: “Que tipo de médico é seu marido que fica em casa cuidando de filho por 40 dias?”. Eu no auge do meu puerpério e sem papas na língua, comecei respondendo no mesmo tom, porém ainda educada: “Do tipo que decidiu ser PAI e que teve condições de se organizar para isso, tirou a licença de 5 dias, emendou com os 30 dias guardados de férias e ainda ganhou um grande feriadão no final de tudo”. A resposta que recebi: “Quando nasceu meu filho, a mãe dele que também é médica estava de volta ao trabalho depois de três meses, e ele hoje está ótimo. Só o amamentou esse período também, pra quê mais? Só se for pra você ficar toda deformada e não ter cirurgião plástico que resolva depois.”
Preciso dizer que foi a última vez que ele me viu? Detalhe: era um mastologista que me conhecia há mais de dez anos, então deve ter se sentido no direito de se revelar aí nesse momento. Justo pra mim: “feministinha”, pró-amamentação, defensora de todos os direitos das mães e das crianças, enfim. Falei poucas e boas, e me retirei espumando de raiva, como se diz por aqui.
Voltando ao ponto. Estamos vivendo dias em que campanhas publicitárias buscam mudar o significado da palavra “pai” nos dicionários, na tentativa de ampliar, conscientizar, reverberar o que efetivamente precisamos na nossa sociedade: uma mudança de cultura. É estrutural mesmo, nós sabemos disso. Mais um motivo para começarmos a mudar já.
Pois bem, sempre tive o maior orgulho em dividir os cuidados do nosso bebê igualmente com o pai desde o primeiro dia. Lembro do dia em que perto do nascimento dele, com os hormônios à flor da pele durante uma discussão, “ameacei” pedir que minha mãe ficasse no hospital comigo, no lugar dele. E o vi chorar na minha frente. Ele queria estar comigo e o filho, passar as noites que fossem necessárias no hospital. E não sei o que seria de mim sem ele nas madrugadas de amamentação, trocas de fraldas e tudo mais. Os primeiros banhos eram mesmo com ele. Aprendeu a fazer shantala, a dar banho no ofurô, escolhia as músicas, contava histórias antes de dormir. E seguimos assim, com apoio das avós, mas ele como cuidador principal para além de mim, atento aos remédios, às consultas (nossas obstetras e pediatra são testemunhas) e às apresentações da escola (as professoras precisam conseguir internet pra ele participar online quando não é possível estar presente).
Três anos e meio depois, vivenciamos a chegada do nosso segundo filho, dessa vez um tanto diferente. Nós contávamos com a tal “licença paternidade” de 05 dias, mais as duas semanas de férias que restavam e um feriado local, se fosse possível, porque o parto dessa vez foi normal e a data foi escolhida por nosso bebê. É sabido que médicos trabalham em mais de um local, com vínculos laborais diferentes, nem sempre com direitos garantidos, e mesmo como pessoa jurídica precisando seguir uma série de normas como se fossem funcionários (oi?).
E assim aconteceu: com menos de uma semana de afastamento, ele foi requisitado a retornar ao trabalho em um dos locais porque ele avisou “muito de última hora” e nenhum colega poderia cobri-lo nos seus dias (bom, 41 semanas e 1 dia meu filho levou pra nascer, depois de mais de 40 horas de trabalho de parto, mas sendo um parto normal não pudemos avisar a data meses antes, como talvez fosse o desejado). Considerando as nossas circunstâncias do momento, ele precisou realmente voltar, mesmo dividido, mesmo cansado, mesmo tentando se desdobrar pra dar conta de mim, do bebê, do mais velho, das coisas da casa e tudo o mais. Sim, o pai é muito necessário. Estou me referindo àquele que entende e assume o verdadeiro significado do seu papel, é claro. Independentemente da idade da criança, a presença, a participação, a partilha das responsabilidades, cuidados e atividades entre os pais é fundamental e faz toda diferença. É fato que em certo ponto fizemos uma escolha pela minha maior presença ao lado deles até o momento de entrarem na escola, mas isso não invalida o papel do pai em todas as fases.
Este texto não é uma exaltação ao pai dos meus filhos, embora acabe sendo um tipo de homenagem, pelo simples fato de ainda parecer estranho esse tipo de atitude para muita gente. Atitude de P-A-I. Que não é apenas o genitor, mas que cuida, cria vínculos, educa e ama. E que fique claro também que ele não é perfeito, mas que está na caminhada de evolução nos seus diversos papéis (não somente de pai), e que ainda temos muito a aprender juntos (eu, inclusive, no que diz respeito à forma de “descentralizar” cuidados, sobretudo na administração e organização da casa).
Fato é que, quanto mais pais conscientes do seu papel, da sua importância e do impacto que exercem na vida dos seus filhos (e em suas próprias vidas) ao construírem relações saudáveis com eles, mais famílias equilibradas e menos mulheres sobrecarregadas. Eu poderia dizer aqui que eles não fariam mais do que a obrigação. Mas enquanto os obstáculos socioculturais machistas e misóginos persistem, esses pais estão realmente fazendo um esforço grande a cada remada nessa maré. Importa reconhecer, fortalecer e trazer outros mais para remarem com a gente.
Finalizo aqui com um convite às empresas e suas lideranças: repensem, revejam e reformulem suas políticas e programas internos. Deem atenção aos profissionais com filhos, entendam a importância dessa discussão para toda a sociedade. Façam a sua parte, porque toda grande mudança começa em algum lugar.