A publicação de hoje é uma espécie de “autobiografia”. Na verdade, dividi em duas partes para que não ficasse muito longa, mas prometo publicar a segunda parte até a próxima semana. Acontece que estive refletindo sobre a questão da escolha, especificamente a escolha profissional (tenho estudado e lido alguns livros sobre o tema), e tenho percebido o quanto está cada vez mais difícil para os jovens decidirem sobre que carreira seguir e, mesmo depois de feita a escolha, definirem se querem mesmo seguir com ela e, se querem, por que caminho iriam (afinal, especialidades, hoje em dia, é o que não faltam).
Recentemente, recebi o contato de uma possível cliente relatando sua dificuldade em gostar da área em que se formou e em encontrar outra área para seguir, perguntando especificamente se eu fazia testes de aptidão ou vocacional. Aparece aí um bom exemplo dessa cultura voltada para resultados rápidos em que temos vivido. É bem verdade que a origem da área de Orientação Profissional é pautada no uso de testes deterministas que diziam qual área a pessoa deveria seguir. Entretanto, hoje acredita-se muito mais no processo de construção para uma escolha consciente do que em respostas imediatas que um teste poderia oferecer. É claro que alguns instrumentos aliados a um processo de autoconhecimento e busca de informações de diversas maneiras diferentes, até se chegar à escolha propriamente dita, não acontece em alguns minutos. São necessários alguns encontros e atividades específicas para ajudar esse jovem (ou adulto) a tomar uma decisão de maneira mais tranquila.
Entretanto, a ansiedade é por respostas prontas e rápidas. A questão é: você quer tomar suas decisões (e das mais importantes), por você mesmo ou por algo/alguém que lhe diga o que você deve fazer? Outro ponto importante é: será que uma escolha é sempre definitiva? Será que não há possibilidade de mudança, reajuste ou recomeço? é claro que a maioria de nós prefere acertar “de primeira”, alguns já sabem o que querem desde crianças, outros mudam, outros se decepcionam, outros querem tantas coisas que não sabem por onde começar, outros têm ainda dificuldade em saber do que mais gostam, enfim.
Atualmente, estou lidando com uma cliente que sabe exatamente o que quer para o seu futuro profissional, sonha com isso até, mas que não sabe como fazer e quais os próximos passos para chegar lá. E se sente perdida. Como ela, muitas outras pessoas chegam até mim relatando dificuldade de encontrarem o melhor caminho para se realizarem profissionalmente, ou com dúvidas sobre a opção que fizeram, pensando mesmo em mudar de carreira. Pensando nessas pessoas e, diante das minhas leituras e estudos sobre o tema, resolvi partilhar um pouco do meu caminho. Por mais que pareça bem definido hoje, nem sempre foi tão claro, nem sempre foi livre de questionamentos ou crises. E, para mostrar que se você se sente assim, não é o único e também podem encontrar uma saída (algumas vezes, com ajuda profissional, fica bem mais fácil), conto um pouco como foi o meu processo de escolha, como eu mesma cheguei até aqui, psicóloga, mestre em psicologia do trabalho e das organizações, consultora em desenvolvimento humano, orientadora profissional e de carreira.
Nessa reflexão sobre os meus próprios caminhos, as primeiras perguntas que me surgiram foram: Por que estou aqui agora? O que me fez escolher a Psicologia? Mais, ainda, o que me fez escolher o caminho que tenho percorrido dentro da minha profissão? Na verdade, no momento presente, encontro-me cursando uma formação em Orientação Profissional e de Carreira exatamente porque senti, na prática, a necessidade e o desejo de apoiar e facilitar as pessoas a responderem essas e outras questões de maneira mais consciente, menos ansiosa, mais tranquila. Mas, voltarei a essa escolha mais recente mais adiante (aguardem a parte II).
Como disse, essa reflexão me fez avaliar os meus próprios caminhos, as minhas próprias escolhas, as minhas próprias dificuldades, erros e acertos, e me vi voltando no tempo. Quando era ainda criança decidi que seria “cientista”, embora mal soubesse o que era isso (apenas que queria trabalhar em laboratório, descobrir a cura de doenças e coisas assim). Hoje sei que houve uma grande influência de doenças na família para que eu alimentasse esse desejo. Com o tempo, decidi que seria bióloga, que seria essa a profissão que me levaria à pesquisa de doenças e à sua cura.
Os anos continuaram passando e chegou a hora de eu confirmar a minha escolha: o ano do vestibular. Ao longo do primeiro semestre daquele ano, entretanto, eu já havia me desiludido com as atividades do biólogo e pensava em outro curso (como eu seria bióloga se morria de medo do mato, e de animais, por exemplo? Também não queria lecionar em escolas e isso me assustava). Comecei a me interessar e a estudar a possibilidade de cursar Psicologia. A mudança de curso foi tamanha e tão repentina que, em minha casa, todos se surpreenderam quando eu comuniquei a minha nova escolha.
Nesse ponto, acho importante ressaltar o quanto meus pais tentaram ser neutros para “não nos influenciarem” (eu e o meu irmão). Entretanto, sabemos que essa neutralidade, caso funcione, também é uma escolha, também exerce um tipo de influência e também tem reações. Mas eu sempre escutei da minha mãe que ela não era feliz nem realizada com a sua profissão. Por isso, enquanto a minha escolha teria sido mesmo minha, ainda que impregnada dos conselhos de “não seja o que eu sou, uma profissional frustrada”. Eu precisava, portanto, “ser alguém”, ser “independente”, “conquistar meus objetivos pelos meus próprios méritos”, “conseguir mais do que eles (meus pais) conseguiram”. O máximo de influência que os meus pais exerceram no nível profissional foi mesmo por aí, a partir da lógica da diferenciação: “sejam aquilo que eu não consegui ser”. Hoje minha mãe é aposentada e o meu pai é dono de um pequeno restaurante, já há mais de 20 anos, no qual nós todos costumávamos ajudar em dias de eventos específicos. Mas ele nunca demonstrou a intenção de que qualquer um de nós desse continuidade a esse negócio. Pelo contrário, afirmava a necessidade de conseguirmos ir além.
Todos sabemos que escolhas não são sempre fáceis, envolvem incertezas, dúvidas, questionamentos. Mas, ainda assim, eu estava decidida, cursaria Psicologia e faria o vestibular na única universidade pública que oferecia o curso na época. Não sem nenhuma pressão, pois eu mesma não tinha plano B caso não fosse aprovada. A estudante “exemplar, sempre dedicada e com notas boas”, certamente passaria na primeira tentativa. Sorte ou empenho, mesmo com a segunda maior concorrência da universidade na época, fui aprovada entre os primeiros colocados. E lá se vão já quase quinze anos…
Lembrando de todo esse processo, me pergunto por que escolhi a Psicologia? Grande parte dos estudantes calouros de Psicologia costumava responder a essa pergunta com algo do tipo “para ajudar as pessoas”. Eu hoje sei que meu objetivo como profissional é promover o desenvolvimento das pessoas, do seu aprendizado, das suas competências, atitudes e comportamentos, facilitar o seu autoconhecimento, apoiar as suas descobertas e a sua realização pessoal e profissional, auxiliar o seu processo de escolha e planejamento da carreira e da vida, a sua preparação para a mudança e os momentos de transição, a sua busca pelo crescimento e pela sua própria melhoria.
E nesse sentido, a Psicologia sempre tem sido o meu melhor arcabouço teórico e prático. É nela que deposito os meus valores e as minhas crenças. Por mais formações complementares que faça e venha a fazer, é nela que eu confio para guiar os meus passos. Sei que a Psicologia foi a melhor escolha possível para aquele momento, nas condições em que eu vivia. Mas sei também que foi uma escolha consciente, eu queria estudar o comportamento humano (era esse o meu motivo como caloura), e não houve até hoje nenhum momento de arrependimento ou nenhuma outra área em que me visse trabalhando.
“Você é tão inteligente! Por que não fez Medicina?”, era uma das frases que eu mais escutava. Quer dizer que a Psicologia não era “digna” da minha “inteligência”? e “Por que não fez Direito? Com a sua pontuação, você entrava logo de primeira também!”. As pessoas talvez não imaginassem que eu não optei por nenhuma dessas áreas porque simplesmente não queria. Mas era o que eu dizia para elas. “Se eu quisesse, esteja certo de que teria me dedicado da mesma forma e teria passado sim, mas não era o que eu queria”. E quando eu quero algo, nem adianta tentar me dissuadir.
Não seria hipócrita de dizer que não vivi também as minhas crises. No início do curso me perguntava por quê ainda não estávamos estudando disciplinas específicas da Psicologia, no meio do curso me questionava se tinha feito a escolha certa, e no final do curso me questionava o que seria de mim quando saísse da faculdade. Presenciei outras pessoas próximas quererem desistir dos seus cursos por conta de uma dessas “crises”. Meu irmão, por exemplo, quis abrir mão do curso de Ciência da Computação, porque não queria estudar Física I e II nem Cálculo I e II, mas não fazia ideia de que área que cursaria no lugar. Esse momento foi um marco importante na minha reflexão sobre a importância das escolhas profissionais na vida de um ser humano. No quanto de angústia isso é capaz de trazer para uma pessoa e toda a família (ou pessoas próximas) ao redor…
Mas, será que isso era tão incomum? Será que todo mundo sempre soube o que queria da vida? Será que esses que sabiam estavam tão satisfeitos sempre e certos de que caminhos seguiriam? Será que essas dúvidas não eram mais comuns do que se tinha coragem de dizer? Será que tem idade para decidir ou para mudar? Será que essas dúvidas cessam com o tempo? Será que eu vou gostar quando começar a trabalhar? Será que se mais pessoas pudessem lidar com essas questões desde o início do seu processo de escolha, não seriam mais felizes?
(CONTINUA)
Aguardem a próxima publicação para conhecerem o desenrolar dessa história. Se alguém se identifica, desde já, sinta-se convidado a nos escrever e partilhar um pouco do que pensa e como se sente a respeito.