Coincidência ou não, alguns dias depois do começo da primavera esse ano (e somente quando escrevo este texto é que me dou conta verdadeiramente disso), passei a conviver com um novo vizinho, do qual não tinha conhecimento até então.
Na verdade, passei uns dias até chateada com ele, cujos hábitos matinais iniciavam-se muito cedo, e, em consequência acabavam por afetar aqueles que ainda estavam a dormir. Deste modo, passei a acordar junto com ele, todos os dias, por volta das 4h30 da madrugada. E, por mais que tentasse dormir mais um pouco, com porta e janela fechadas, ar condicionado ligado, travesseiro nos ouvidos, raras vezes conseguia. E, quando conseguia, não passava de um cochilo até que o “outro” despertador tocasse.
Algumas vezes eu me levantava sonolenta, falava qualquer coisa, como se ele pudesse me ouvir, do tipo: “Só porque você acorda cedo, todo mundo tem que acordar também? Isso é falta de educação!”. Depois voltava para a cama, insistindo em tentar dormir mais um bocadinho. E assim se sucedeu por muitos dias seguidos. Eu já até tinha me acostumado a sentir sono cedo, de tão cedo que era “obrigada” a acordar.
Vivia reclamando dele para todos em casa, mas parecia ser eu a única a escutar o tal “vizinho barulhento”. “Que sono mais leve você tem!”. Bom, isso é verdade, mas não o isenta do fato de ser “escandaloso”, como eu o chamava. Mas, apesar disso, eu não tinha exatamente com quem reclamar, a não ser com ele mesmo, então, passei os dias assim nessa rotina: acordando, “reclamando” com ele de maneira retórica (sabia que ele não estava me escutando), voltando para a cama e tentando dormir mais uns minutos.
Até o dia em que acordei perto das 5h da manhã, em total silêncio. Só ouvia o barulhinho do ar condicionado.
Mas, contraditória que sou, levantei e esperei. Vai ver ele dormiu mais um pouquinho?
Só que se passaram alguns minutos e nada. Voltei para a cama com o coração apertado. Será que havia acontecido alguma coisa com ele? Por que não tinha acordado no horário habitual naquele dia? Ou será que tinha escutado as minhas reclamações e as coisas que falava para ele?
Fiquei assim, reflexiva. Comentei com as pessoas da casa, que já estavam cientes da história. Elas riam e diziam: “Você não vivia reclamando dele? Agora que ele fez silêncio você está sentindo falta?”
É. Acho que estava sentindo falta.
No dia seguinte, novamente o silêncio. E eu tive certeza: estava sentindo falta de ser acordada por ele.
Passaram-se três dias até ele me acordar de novo. Mas dessa vez foi bem diferente. Eu levantei sorrindo e disse: “Que bom que você está bem! Senti falta dos seus “escândalos”!”
E assim tem sido por algumas manhãs e madrugadas, já que ele agora nem sempre me acorda tão cedo.
A história acima é verídica e o personagem do “vizinho barulhento e madrugueiro” era nada mais que um passarinho que decidiu fazer moradia do lado de fora do meu ar condicionado. Alguns de vocês já devem ter passado por isso. A questão era que ele (que até recebeu de mim um apelido carinhoso, mas que não cabe aqui divulgar) era particularmente efusivo no seu cantar. Provavelmente é uma habilidade importante para ele (ou ela, sei lá). Não conheço muito de pássaros, e acredito só tê-lo visto uma ou duas vezes pela minha janela (tenho a sorte de ter um escritório em casa e, ao trabalhar, ser acompanhada pelos cantos dos pássaros em alguns momentos em que conseguem se sobressair a algumas buzinas de carros). Mas imagino que ele goste mesmo de cantar, ou estivesse apenas marcando o seu território, ou fazendo sinais para a sua companheira. Sei que ele não entendia o que eu falava, muito menos poderia afirmar que tenha ido embora por este motivo (até porque eu não só reclamava como dava umas batidinhas com a ponta dos dedos no ar condicionado dizendo para ele “cantar mais baixo”). Mas o interessante é que quando ele voltou (e nesse dia eu cheguei a gravar o seu canto com o celular), passamos a conviver muito melhor um com o outro.
Parece meio estranho uma pessoa descrever esse tipo de relato num espaço como este. Mas, em tempos de Natal e de reflexões, acredito que valha a pena partilhar um pouco das minhas. Ao comentar com algumas poucas pessoas, escutei algumas vezes “Que coisa mais linda! Que benção ser acordada pelo canto de um passarinho!”, assim como também escutei “A essa hora da madrugada, eu também ia ficar muito chateada!”.
A verdade é que esse episódio, aparentemente bobo e simples, me fez pensar sobre as inúmeras vezes em que somos “abençoados” com a presença e/ou o dom de alguém tão perto de nós e só nos damos conta depois que perdemos. Ou depois que esse alguém decide ir embora. E percebemos o quanto ela fazia a diferença nos nossos dias. Às vezes temos tempo e a chance de nos redimir, outras vezes não. Por isso, é importante cuidar das nossas relações com cada pessoa importante para nós, AGORA, SEMPRE. É importante sabermos enxergar e sentir as “bênçãos” que recebemos todos os dias. É importante sabermos agradecer, aproveitá-las e, se possível, compartilhá-las com mais gente. Certamente, a vida se torna mais leve, mais produtiva e feliz.
Hoje eu acordo mais cedo, sozinha, sem o despertador insuportável do celular, me arrumo ao som do “meu amigo passarinho” para ir à academia praticar meus exercícios, e aproveito muito melhor o meu dia. Nas últimas semanas, acho que ele resolveu se mudar para outro ar condicionado, ou de repente algum lugar melhor, mas não muito longe, porque eu ainda o escuto todas as manhãs. Consegui até fotografá-lo outro dia! Aprendemos a conviver um com o outro e isso tem sido ótimo!
E você? Será que também não tem um personagem destes na sua vida? Daqueles que você “não vai com a cara”, “não gosta de graça”, ou alimenta algum tipo de estereótipo ou preconceito? Será que não está perdendo a convivência com uma pessoa maravilhosa? Será mesmo que não estaria perdendo um grande amigo? Que tal dar uma chance antes que não haja mais tempo?
Ainda nos “encontraremos” antes de 2016, mas, desde já, um Feliz Natal e um Novo Ano de muitas boas notícias!