Quando a gente pensa em trabalho e maternidade, são tantas questões que podem surgir, tantos contextos possíveis… Desde a primeira fase de todas, quando ainda não decidimos se queremos mesmo ser mães, até o momento em que engravidamos (às vezes bem planejadinho, às vezes no susto, às vezes nem tão desejado assim), eles nascem e vão crescendo junto com a gente (porque a gente cresce um bocado também, não é verdade?).
Há quem se sinta pressionada pelo fato de estar segura e confiante na carreira e com medo de perder tudo o que já construiu até aqui. Ou por sentir que o seu local de trabalho não é nada acolhedor com mulheres que engravidam, nem com mães que desejam equilibrar carreira e filhos. Há quem sinta com o nascimento dos filhos que mudaram totalmente as suas prioridades, quem já não se identifica com o que costumava fazer, quem se sinta perdida e precise se reencontrar profissionalmente.
Também há quem ganhe novo fôlego e a coragem que precisava para finalmente fazer o que sempre sonhou, abrir um negócio próprio, empreender, transformar uma ideia em realidade, mesmo sabendo que apesar dos horários mais flexíveis, terá muito mais trabalho do que com um emprego formal. Há quem seja valorizada na sua empresa pelas novas competências que adquiriu com a maternidade e comece a decolar ainda mais na sua carreira (confesso que só conheço exemplos desse último grupo por leituras e estudos de caso, porque infelizmente são poucos).
O mais comum é que nós, mães, nos sintamos sozinhas e desamparadas, também nesse âmbito das nossas vidas. Seguimos anestesiadas vivendo um dia de cada vez, porque precisamos sustentar a casa e a família e não podemos nos dar ao luxo de arriscar; fechamos os olhos para tudo o que não nos agrada e esperamos por dias melhores; ou aguardamos um momento estratégico, nos planejamos com cuidado (inclusive financeiramente) e fazemos uma transição gradual para o que mexe de verdade com a gente. A não ser que sejamos surpreendidas com uma mudança inesperada (uma demissão, por exemplo) e aí precisamos antecipar nossos planos e arriscar mesmo.
Mas, independente do contexto, não deixamos de ser invadidas por uma série de perguntas:
- E agora, será que foi um bom momento pra engravidar?
- Como vou contar pro meu chefe?
- Como vou fazer pra dar continuidade àquele projeto que dei início? Não acho que vá dar tempo antes do bebê nascer…
- Vão colocar alguém no meu lugar, quando eu voltar, já era…
- Justo agora que meu negócio estava caminhando, será que vou dar conta de continuar administrando e produzindo, e ainda cuidar do bebê?
- Como vou fazer com a licença maternidade?
- E quando eu voltar a trabalhar, quem vai cuidar do meu bebê?
- Será que vão fazer a introdução alimentar direito enquanto eu estiver fora? E se derem biscoito pra ele?
- E se ele começar a andar e a falar e eu não estiver por perto?
E quantas outras mais vão surgindo, não é?
A verdade é que as mulheres que sonharam e abriram caminho no mercado de trabalho para que hoje nós pudéssemos estar questionando essa cultura, foram se acostumando a não só ter que lidar com todas essas demandas, como também a esconderem seus filhos. Das empresas, dos chefes, da sociedade que não tolera a presença de crianças. Estamos, felizmente, chegando num momento, em que as mães (e alguns pais também) já não podem, não conseguem nem querem continuar fazendo isso. Quantas vezes as pessoas olham torto pra crianças em restaurantes, hotéis, e locais de trabalho, simplesmente porque consideram que ali não é lugar para elas?
E as mães seguem tendo que organizar uma logística absurda, aumentando ainda mais o nível de ansiedade e estresse pra dar conta de não poder mostrar que têm um filho, que está longe de ser totalmente natural e tranquilo para ela enquanto mãe chegar a qualquer hora em qualquer lugar para fazer o que quer que solicitem dela (sobretudo se você não tem uma rede de apoio disponível 24h por dia, todos os dias da semana, nem tem condições nem deseja pagar por isso). Muitas de nós precisam se dividir entre o trabalho, o estudo e os filhos em simultâneo, e muitíssimas vezes sozinhas. Muitas de nós precisam criar estratégias para entreter as crianças enquanto faz algo que precisa de concentração e silêncio, porque sim, elas existem e precisam estar ali, com a gente.
Dou um exemplo, o meu próprio. Sempre sonhei em ser mãe, houve uma época em que dizia que queria quatro filhos (jovem e inocente, podem rir, eu deixo). Com o tempo, a realidade foi chegando e me convenci com dois ou três (até que Theodoro nasceu e eu cheguei a pensar que já estava bom um só). Essa decisão ainda não foi fechada, mas é só um parêntese. Ainda assim, com esse sonho bem claro pra mim, com uma família bem estruturada, um companheiro super presente e participativo que planejou o filho e engravidou junto comigo, eu me vi num turbilhão tamanho que fez questionar um monte de coisas.
A vocês posso contar que estava inserida naquele grupo das perdidas. Sempre trabalhei com o que amo fazer, continuo querendo permanecer na minha profissão. Sou psicóloga, tenho mestrado na área de psicologia do trabalho, atuei com grupos diversos em empresas e escolas, e já há algum tempo trabalho com desenvolvimento de lideranças e orientação de carreiras. Mas de repente me vi num momento de pausa profissional.
Privilegiada que sou (e tenho consciência disso), pude fazer uma pausa mais longa do que tinha imaginado (os seis meses do princípio perduraram até quase os dois anos), não porque desejei, mas porque foi preciso, considerando o nosso contexto pandêmico. Nesse tempo me dediquei exclusivamente aos cuidados do meu filho, da casa, das demandas e rotinas da família. E aí, entram outras questões: desde quando uma mãe que não trabalha fora não trabalha? Isso é tão forte que me fazia sentir improdutiva, invisível, infeliz, porque, mesmo tendo economias planejadas para o meu período de pausa pós-maternidade (afinal eu sou autônoma há muitos anos), não estava contribuindo financeiramente como gostaria nem produzindo dentro da minha área de especialidade, sentindo o retorno, o reconhecimento externo sobre o que eu mais amava fazer.
Precisei de um tempo para me reencontrar, para elaborar o que queria fazer depois dessa pausa, para resgatar minha autoestima (inclusive a profissional) e também precisei de ajuda profissional e emocional para começar a dar forma às ideias que eu tinha mas que não valorizava por estar num momento de auto-questionamento e depreciação constantes. Sim, sou psicóloga, mas também sou humana, sou mãe, sou gente… Voltei a fazer alguns atendimentos online de clientes antigos que me solicitaram, somente nos horários que meu filho Theodoro já estava dormindo (porque como seria se ouvissem um choro ou gritinhos de bebê ou eu precisasse amamentar no meio da sessão?). Mas só eu sabia o custo de fazer isso à noite, depois de um dia inteiro exaustivo, mesmo que em casa.
A verdade é que onde nossos filhos não cabem, onde a presença deles é inadequada, também é a nossa, também nós não cabemos. E precisamos começar a nos questionar sobre a nossa presença nesses lugares, porque se não começarmos a mudar isso dentro da gente, iremos perpetuar sempre esse desejo da sociedade de deixar as crianças guardadinhas num cantinho, de modo a não incomodarem, e as mães que lutem pra dar conta disso. Contei uma experiência que vivi no início do ano em relação a isso, leia AQUI.
Precisamos pensar e agir sobre isso. Por aqui continuamos na discussão, buscando conscientizar organizações de trabalho e a sociedade como um todo que quando se faz por uma mãe, se faz pelos cidadãos que se formam a partir dela. Quantas empresas vocês conhecem que são acolhedoras com mulheres que engravidam? Com mulheres que têm filhos? Elas existem, mas ainda são poucas e muitas políticas precisam ser implementadas ainda para diminuir o impacto que a maternidade exerce sobre a vida profissional das mulheres.
Segundo algumas pesquisas divulgadas no Brasil entre 2020 e 2021, do IBGE e algumas instituições privadas (Catho, FGV):
– 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos,
– 48% das mulheres ficaram desempregadas em até 1 ano após o parto,
– 52% das mães que trabalham dizem ter passado por constrangimentos durante a gravidez ou no retorno após a licença-maternidade
– Das mulheres com idade entre 25 e 49 anos, com filhos até três anos, 54,6% estão empregadas (pouco mais da metade só),
– Cerca de 85% das mulheres no Brasil vivenciam a jornada dupla (que eu chamaria de tripla até, ao incluir os estudos, por exemplo), com a realização de atividades domésticas e o cuidado com os filhos.
Certamente cada uma de nós se encaixa em um ou mais desses grupos. Não somos poucas. E não somos apenas números.
Há ainda as situações em que, quando nos organizamos para exercer o nosso trabalho, as pessoas nos solicitam sem achar que precisam pagar por ele ou questionam os valores que cobramos, não é? Isso porque ao longo do tempo nós mulheres sempre tivemos nosso trabalho atrelado ao amor com que nos dedicamos a ele. E, por isso, sendo feito por amor, com amor, as pessoas acham que não haveria necessidade de ser remunerado. É mole?
E vocês já pararam pra pensar o quanto de doenças ocupacionais que nós viemos desenvolvendo relacionadas à maternidade? Depressão, ansiedade generalizada, crises de pânico, hipertensão, doenças autoimunes.
Nas palavras de uma profissional incrível, que eu admiro muito, também mãe, e que eu recomendo que acompanhem também (a Lígia Moreiras, a “cientista que virou mãe”), “nós amamos os nossos filhos e não temos que dar provas disso a ninguém. Mas na imensa maioria das vezes, o que chamam de AMOR, na verdade é trabalho não remunerado. Cozinhar, alimentar, limpar, garantir as condições de saúde física e emocional de uma criança, garantir que estude, que tenha acesso a cultura e educação, tudo isso é trabalho. Tanto que cada uma dessas tarefas pode ser feita por um profissional diferente: cozinheiros, profissionais da limpeza, psicólogos, professores, médicos, motoristas, etc. Fazemos tudo isso com amor? Sim. Mas ainda assim é um trabalho. E é justamente pela compulsoriedade deste trabalho, pela desvalorização, pela excessiva carga horária, pela invisibilização, pelos julgamentos, pela sobrecarga e solidão que, muitas vezes, tantas mulheres desenvolvem as mais diferentes doenças. Doenças ocupacionais, portanto.”
Ano passado, a Argentina reconheceu o cuidado materno como trabalho, incluindo o tempo de dedicação aos filhos na contagem para a aposentadoria das mulheres. Uma vitória com certeza, sobretudo quando o Estado falha na assistência dessas mulheres em tantos aspectos.
Enquanto isso, nós seguimos nessa vida de mães equilibristas, tentando conciliar as diversas demandas e ainda manter um mínimo de autocuidado em prol da nossa sanidade física e mental, muitas vezes tendo nosso trabalho desvalorizado ou invisibilizado dentro e fora de casa. Às vezes nos deparamos com situações em que é preciso fazer algumas mudanças. A começar por nós mesmas, nossas atitudes e forma de lidar com nossas questões, com nossos filhos e com os outros. Mas para qualquer passo importante, é preciso coragem (e aqui não falo de ausência de medo). Eu, pessoalmente, não acredito que haja maior ato de amor e coragem (mesmo diante de todos os medos) do que se permitir viver a maternidade em toda a sua profundidade e com todas as suas nuances, desafios, belezas e perrengues.
Mas agora, olhe pra dentro: você tem coragem de reconhecer e permitir que os outros reconheçam o que há de melhor em você? Sabemos que temos muito a melhorar, a desenvolver, a aprender, que somos seres incompletos, complexos e imperfeitos. Mas também precisamos reconhecer nosso valor, nossas conquistas, nossas lutas, nossos aprendizados, tudo o que construímos e tudo o que nos trouxe até aqui.
Olhe à sua volta, procure enxergar onde está tudo isso, o que você tem feito com tudo isso? Procure reconhecer o tanto de competências, inclusive multiprofissionais, que você adquiriu nos últimos tempos, com a própria maternidade: resiliência, planejamento, organização, comunicação, negociação, atenção difusa e concentrada, liderança, versatilidade, agilidade, dentre muitas outras que uma mãe precisa adquirir para gerir uma casa e uma família com crianças. Faça a sua lista. Pense no quanto essas competências poderiam agregar na realização do seu trabalho, seja onde, como e com quem for.
Antes de finalizar, gostaria de deixar vocês com mais algumas perguntas para refletirmos juntas sobre a nossa relação com o nosso trabalho. Sugiro inclusive que escrevam, vai ser mais fácil depois. Pode ser que, ao responderem, vocês se vejam fazendo as mesmas coisas que já fazem hoje, talvez com um ajuste ou outro. Ou pode ser que lá no fundo exista algo escondido, mas que pode vir à tona, no momento em que vocês se permitirem, mas que faria toda a diferença no caminho para a sua realização e felicidade. Vamos lá.
Reflexões profundas, que requerem um tempo para serem respondidas. Eu descobri, depois de me trabalhar sobre isso, que a história que eu nasci pra contar envolve apoiar e acompanhar outras mulheres-mães nesse caminho de redescoberta, de construção e reconstrução da sua relação com o seu trabalho, e principalmente de busca pelo equilíbrio com a maternidade e, consequentemente, de busca pela sua realização.
O que eu realmente acredito é que quanto mais você partilha o que tem de melhor, mais você se fortalece e mais tudo isso se multiplica. Aproximemo-nos umas das outras, caminhemos juntas, sejamos também nós nossa própria rede de apoio. Comemoremos, sozinhas e acompanhadas, do jeito que for possível, do jeito que tenhamos vontade, apenas porque nós merecemos (e muito), nossas vitórias, nossos passos, nossas idas e vindas, nossas chegadas, por menores que pareçam, elas nos levam onde queremos e precisamos estar. Contem comigo porque estamos juntas nessa jornada.
Um forte abraço!
Carine.