Iniciei 2022 com um desafio grande. No dia 03 de janeiro recebi um convite com menos de uma hora pra dar resposta para participar de um programa de televisão ao vivo e conversar sobre os profissionais que despertaram o desejo de mudar de carreira após a pandemia.
Antes de responder, foram minutos de intensa agonia. O principal motivo: o que eu faria com o meu filho, já que era eu que costumava levá-lo e buscá-lo no local em que ele estaria brincando naquele dia? À tarde o pai poderia ficar com ele, mas sairia do trabalho depois do horário em que o pequeno estaria liberado pra ir pra casa. Enfim, depois de alguns minutos de angústia relacionada a essa e outras questões que dariam outro texto, conversei rapidamente por telefone com meu esposo e com minha mãe (a minha rede de apoio mais imediata), e resolvi que ia aceitar e depois a gente resolvia juntos a logística.
Na verdade, a logística começou no dia 04 de janeiro, porque eu inventei que para reaparecer depois de tanto tempo (nem imaginava que seria na tv) precisava me arrumar minimamente. Papai e vovó ficaram com o pequeno e eu consegui um horário com a cabelereira amiga de tantos anos, que me reservou uma manicure também. Se por dentro eu tremia que nem gelatina pensando em como seria esse meu “retorno”, por fora, eu estava quase pronta (de “maquiagem” eu até posso dizer que entendo um pouquinho).
Sobre o dia da entrevista em si, resolvemos que, por termos até o momento somente uma cadeirinha veicular, eu levaria Theodoro, deixaria ele com a cadeirinha e o almoço na “casa de brincar”, e o pai sairia mais cedo para buscá-lo, instalaria a cadeirinha e o traria para casa. Assim foi feito, e ambos chegaram a tempo de se sentarem à frente da televisão para assistirem à mamãe aqui.
Após essa breve descrição do cenário daquele dia, vamos ao ponto de inquietação: por que precisa ser tão complicado pra uma mãe pensar em como ir a qualquer ambiente que se relacione a trabalho pura e simplesmente porque tem um filho? Por que precisamos ter que arrumar às pressas alguém ou algum lugar para deixar nossos filhos quando surge uma oportunidade, ou um cliente, ou algo importante relacionado ao trabalho, mesmo quando não temos essa pessoa?
Na verdade, essas são questões minhas, de mim para mim, porque nunca tinha parado pra pensar que meu filho não deveria precisar ser escondido do meu trabalho. Onde não houver espaço e acolhimento para nós dois (a mim como mulher-profissional-mãe que andam juntas, e a ele, incluído no meu espaço), precisarei repensar se eu deveria estar lá. No meu caso, seja uma palestra, uma reunião online, um congresso, uma aula, para que eu possa exercer a minha atividade, precisarei também considerar que, em algum momento, pode ser que ele esteja por perto. Por mais que possamos considerar ter o privilégio de uma rede de apoio (babá, familiares, escola, creche), nem sempre ela vai funcionar, e a pandemia nos mostrou claramente isso. De repente, já não havia escolas ou creches abertas. Muitas famílias se mantiveram isoladas e, de repente, todo mundo se viu desorientado com as crianças em casa, tendo que acompanhar as aulas, dar atenção e trabalhar ao mesmo tempo (quantas reuniões devem ter sido interrompidas por um pedido de ajuda do filho para ir ao banheiro, por exemplo?). Ninguém muito acostumado a partilhar esses espaços que antes eram tão bem delimitados.
Com tudo isso não quero dizer que preciso incluir meu filho sempre nas minhas atividades laborais. Pelo contrário, como toda mãe saudável, também preciso do meu momento sem filho e o trabalho é um deles. Já cheguei mesmo a me perguntar se eu realmente quero inclui-lo ou se fico feliz em ter um momento de “sossego” e concentração só pra mim… Quem nunca sentiu necessidade dessa “folguinha” enquanto trabalha? A verdade é que não preciso que ele esteja sempre, nem quero. Mas também não preciso nem quero negar trabalhos porque ele estará comigo… O que me fez pensar sobre essa questão foi o fato de eu sequer ter cogitado partilhar com a pessoa que me fez o convite o motivo de eu não dito sim de imediato. Ao contrário, cheguei a cogitar uma negativa apenas por não ter certeza de que conseguiria organizar a logística do pequeno.
Durante dois anos (e Theodoro cresceu aí, porque quando tudo começou só tinha três meses e meio) eu escondi meu filho de toda e qualquer atividade que dizia respeito ao meu trabalho. Guardadas as particularidades de alguns serviços, eu só considerava marcar qualquer coisa após o horário que ele dormia, às 20h, ou quando o pai estava presente e disponível para ficar com ele (algumas tardes na semana). Nem tudo poderia acontecer na presença dele, por uma série de questões, inclusive éticas, porém algumas reuniões poderiam sim, mas nem sequer passava pela minha cabeça.
E aquela cena comigo sentada no cenário do programa de tv, e os feedbacks depois de algumas pessoas elogiando meu look, meu cabelo, a escolha das cores (nem todas as pessoas, ainda bem, porque a maioria foi além e, felizmente, elogiou o conteúdo e forma de falar depois de controlar o nervosismo), me fez pensar em como são as aparências e como as coisas vão muito além do que se vê. O que estaria por trás daquela imagem da psicóloga especialista em carreiras, bem arrumada, e “aparentemente” tranquila, que chegou antes do horário solicitado ao estúdio, e comentou com somente uma das pessoas presentes que tinha um filho de dois anos (porque mãe se reconhece e ela tinha um de quatro anos que tinha ficado com a avó)? Por que será que nos acostumamos a demonstrar essa imagem de que é muito fácil e tranquilo estarmos em qualquer lugar sozinhas, incluindo o nosso trabalho, quando se tem um filho? Talvez porque no caso dos homens essa nem seja uma questão. Raros são ainda os que modificam a sua rotina de trabalho em função de alguma demanda do filho ou da casa.
Imagino as mães que trabalham em empresas que não têm esse olhar acolhedor para suas crias. Entram em estado de ansiedade antecipada quando pensam no período de retorno ao trabalho. Algumas até comemoram aqueles momentos de “folga” fora de casa, mas a maioria mesmo se questiona “o que, como, com quem e onde” vai deixar a criança para ir trabalhar ou se apresentar onde quer que seja. As autônomas e profissionais liberais acabam por reorganizar seus horários, flexibilizar a renda mensal para conseguir “conciliar” de alguma forma. Mas de nenhuma maneira a sociedade colabora. Em todos os casos, é responsabilidade da mãe, se ela quer trabalhar, providenciar a sua rede de apoio onde confiar seu filho para que ela possa se dedicar totalmente ao trabalho.
Já vemos algumas poucas empresas se organizando para acolher suas profissionais no retorno à licença maternidade, com inúmeros benefícios para retê-las em seu quadro de colaboradores, justamente por saberem dos elevados índices de mulheres que “abrem mão” do trabalho formal após o nascimento do primeiro filho. Montam espaços para as mães amamentarem, disponibilizam creches e até escolinhas, flexibilizam os horários e confiam no potencial ampliado que a maternidade oferece a quem se entrega a ela (e haja competências que a gente desenvolve, não é?). São poucas essas empresas, precisamos de muitas mais, mas precisamos também dar valor a ações como essas. E, mais ainda, precisamos que o poder público cumpra o seu papel e responsabilidade com as crianças e tantas mulheres chefes de família, em oferecer um espaço seguro de cuidado aos filhos enquanto as mães trabalham.
Não é à toa que a gente escuta que é impossível conciliar de verdade maternidade e trabalho… Mas aos poucos, a gente vai despertando, alertando, incomodando muitas vezes. Porque também eu imaginei muitas vezes o quanto estaria incomodando se aparecesse com meu filho pequeno em alguns ambientes (a pandemia não nos permitiu praticar muito, mas não deixei de imaginar). E, no que se refere a trabalho, no meu caso, nem cheguei a cogitar. Precisei do olhar sensível e maravilhoso de outra mãe, com experiência diversa da minha, que sempre incluiu a filha em todas as situações em que se fez necessário, com estratégia e, certamente por fazer boas escolhas dos ambientes e grupos que frequenta, encontrou compreensão e acolhimento. Nem sempre é, ou vai ser, assim. Mas precisamos começar por algum lugar. EU preciso começar por algum lugar. Afinal, não deixo de ser mãe porque me “fantasiei” de profissional. E meu filho não deixa de existir nesse meio tempo. Quantas recusas, quantas negações eu mesma vivenciei porque internalizei que não poderia estar disponível naquele horário em que meu filho estaria em casa ou acordado, sem outra pessoa que estivesse com ele? Até quando seguiria assim? Se a mim, que estou disposta e em busca de um novo olhar, me custou a enxergar, imagino o tanto de mães que está nessa caminhada, ansiosas, angustiadas e sem saber o que fazer.
Se não foi fácil perceber, também sei que absorver esse hábito de incluí-lo nas minhas atividades e rotina laboral quando realmente necessário, ainda vai levar um tempo de “treino” (meu e dele). É uma quebra de paradigma para mim, mas só de enxergar que posso fazer isso, já é libertador. E se eu puder contribuir pra esse sentimento chegar a mais mães por aí, é isso que eu pretendo fazer.